sexta-feira, 22 de maio de 2009

Um filme com muitas vidas...


Foi o filme com que se despediu da Cinemateca.
Hoje despediu-se "uma vida com muitos filmes".

João Bénard da Costa, director da Cinemateca, morreu vítima de cancro, esta quinta-feira, aos 74 anos.


Bénard da Costa foi quem, em Portugal, deu o contributo mais importante para o cultivo da relação com o cinema, enquanto história e enquanto arte, sobretudo depois do 25 de Abril. Continuou, ampliou e deu mais largos horizontes ao trabalho iniciado por Félix Ribeiro e Luís de Pina, os primeiros directores da Cinemateca Portuguesa.
Os ciclos de cinema que promoveu, primeiro na Gulbenkian e no Palácio Foz, desde os anos setenta, e depois na sala da Cinemateca, na Barata Salgueiro, foram sempre grandes acontecimentos, alguns deles de nível mundial.

Bénard da Costa conseguiu muitas vezes dar a ver pela primeira vez a totalidade da obra de autores determinantes.
O trabalho de Bénard da Costa formou e influenciou decisivamente a maior parte dos produtores e dos cineastas portugueses que começaram a filmar nos anos oitenta e noventa, dos quais destaco Amândio Coroado, Pedro Costa e João Pedro Rodrigues.

João Bénard da Costa foi também um grande escritor, particularmente um grande escritor sobre o cinema, sobre os filmes e sobre as coisas que os filmes têm.

Bénard da Costa formou um olhar, ajudou a ver melhor. «Ver é uma coisa muito difícil. A gente julga que vê, mas não vê nada», disse ele numa entrevista há uns anos atrás.
A minha relação com o cinema deve-se em muito ao que ele me deu, quando o ouvia falar, sublimando e tornando vivas coisas que pareciam pequenas. E, sobretudo, as suas «folhinhas», escritas naquele português de tom muito seu, um tom queirosiano com qualquer coisa de Drummond de Andrade e de O`Neil, com aquelas palavras e expressões só suas, como «celebérrimo» e «à época».
Era assim que João Bénard da Costa comunicava a sua paixão, o seu entusiasmo e fascínio: «Este assombroso personagem, assombrosamente criado por uma das mais assombrosas mulheres de Lang» - aqui, era de Gloria Grahame e da personagem que representou em «Human Desire», de Fritz Lang, que João Bénard da Costa falava.


Tudo isso contagiava.

E a sua paixão vai continuar a contagiar: a maior parte dos excelentes textos sobre cinema publicados na imprensa estão editados pela Assírio & Alvim.

Devemos ir lê-los agora, é lá que arde a chama do seu espírito e o melhor que ele nos dá.

Sem comentários: